O cumprimento do dever de sigilo fiscal e a ameaça à democracia
A recente posição do Supremo Tribunal Federal (STF), firmada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.374, inaugura importante discussão sobre os limites do acesso a dados fiscais por membros do Parlamento, reafirmando a vitalidade do sigilo fiscal como um direito fundamental e uma garantia constitucional.
Contexto fático e jurídico da controvérsia
Em abril de 2025, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) noticiou a criação de mecanismos internos de resposta rápida a demandas de parlamentares. Tais práticas geraram inquietação jurídica a respeito do alcance do inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, bem como do artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN), que consagra o caráter sigiloso das informações fiscais.
O relator da ADI, ministro Cristiano Zanin, pontuou que, ainda que o Poder Público detenha prerrogativa de acesso e compartilhamento de dados, esta deve ser exercida de forma limitada, proporcional e necessária, sob pena de violar direitos fundamentais e colocar em risco a ordem constitucional.
Princípios constitucionais envolvidos
O debate transcende o campo meramente técnico, pois resvala no equilíbrio entre o poder investigativo e o respeito às garantias individuais. A reserva jurisdicional, prevista no artigo 5º, inciso XII, da Constituição, determina que a quebra de sigilos somente pode ser autorizada por autoridade judiciária competente, mediante decisão fundamentada.
Ademais, o princípio da legalidade (artigo 37, caput) impõe limites à atuação administrativa, sendo vedado aos entes públicos – inclusive o Coaf – inovar na ordem jurídica sem respaldo legal claro e específico.
Precedentes e jurisprudência aplicáveis
Jurisprudência consolidada do STF reafirma o caráter de cláusula pétrea do sigilo fiscal, como no Recurso Extraordinário nº 601.314. A Corte reiterou que a proteção dessas informações integra o núcleo duro dos direitos fundamentais, sendo inalcançável por instrumentos legais ordinários.
Nesse contexto, é relevante mencionar a ADC nº 29 que tratou do compartilhamento de dados por órgãos como a Receita Federal e o Coaf, exigindo o cumprimento estrito dos procedimentos legais a fim de preservar a segurança jurídica.
Consequências institucionais e riscos à democracia
Ao permitir acessos indiscriminados a dados protegidos por sigilo sem fiscalização ou controle judicial, abre-se risco concreto de instrumentalização de informações sensíveis para finalidades político-partidárias. Tal cenário fere de morte os pilares do devido processo legal e da impessoalidade.
Mais do que um tecnicismo jurídico, o controle do sigilo fiscal é elemento essencial para garantir o equilíbrio institucional e a confiança da sociedade na administração tributária. Na lógica democrática, nem mesmo os parlamentares estão acima da Constituição.
A relevância prática para a advocacia
O advogado que atua em Direito Público, Tributário ou Penal deve atentar-se para os contornos dessa decisão, pois traz impactos diretos à forma como se realizam investigações e à validade de provas baseadas em dados fiscais. Além disso, reforça-se a necessidade de acompanhamento estrito dos mecanismos legais para acesso a essas informações.
Por fim, o julgamento da ADI 7.374 não apenas preserva a legalidade, mas também reafirma a independência entre os poderes e a prevalência do estado de direito.
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Por Memória Forense