Novo teto da dívida da União desafia pilares da LRF e acende alerta fiscal
Em meio às comemorações dos 24 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), o Senado Federal aprovou, em abril de 2025, proposta que reacende o debate sobre os fundamentos do equilíbrio das contas públicas brasileiras: a fixação de um limite para a dívida consolidada da União.
Instrumento de controle ou flexibilização disfarçada?
A PEC, apreciada pelo Senado no âmbito do novo arcabouço fiscal (LC 200/2023), inscreve no texto constitucional um parâmetro de referência para a dívida da União: 88,5% do Produto Interno Bruto (PIB) até o exercício de 2036. Este percentual passa a orientar o endividamento federal, sem configurar propriamente um teto rígido, nem, tampouco, uma regra de correção automática.
Segundo especialistas, ao invés de impor uma limitação real, o dispositivo consagra um referencial político, sem vinculação a sanções explícitas em caso de descumprimento. Assim, surge a indagação: trata-se de mais um passo no amadurecimento institucional brasileiro ou de uma estratégia flexibilizadora que fragiliza os pilares da LRF?
Desafios constitucionais e legais
O texto aprovado se ancora nos artigos 163 e 165 da Constituição Federal, que já preveem diretrizes para a dívida pública. No entanto, ao estabelecer meta de endividamento em patamar elevado, sem a correspondente criação de mecanismos jurídicos de controle ou penalidades, abre-se espaço para questionamentos quanto à efetividade normativa e à fidelidade aos princípios previstos na LRF, em especial os arts. 1º, 4º e 30 da LC 101/2000.
É importante lembrar que a LRF trouxe a público a cultura da gestão fiscal responsável, exigindo transparência, controle intertemporal da dívida e metas fiscais claras. O novo modelo pode ser interpretado como um retrocesso sob o ponto de vista da prudência administrativa.
Reação do meio jurídico e econômico
Juristas e economistas expressaram preocupações quanto ao risco de complacência fiscal. Afinal, ao estipular um teto “declaratório”, sem ativar dispositivos de contenção do gasto primário em caso de superação, corremos o risco de fomentar um modelo fiscal simbólico, destoando da lógica sancionatória da LRF.
Entidades de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU), destacaram que a fixação de teto para a dívida deveria vir acompanhada de contraprestações institucionais objetivas, como penalidades ou bloqueios automáticos do orçamento, nos moldes do art. 9º da LRF.
Oposição no STF e potencial judicialização
A alteração promovida constitucionalmente poderá ser objeto de impugnação no Supremo Tribunal Federal, especialmente sob o prisma do art. 37 caput da CF/88 (princípio da eficiência) e da vedação ao retrocesso nos direitos previstos na LRF, cuja natureza é considerada quase supralegal pela comunidade jurídica.
A jurisprudência do STF aponta para uma interpretação garantidora no campo dos controles fiscais, como no julgamento da ADI 2238, quando se firmou a constitucionalidade da LRF. Essa linha pode criar resistência à suposta suavização das amarras do endividamento público.
Conclusão: entre o avanço e a vigilância
A Lei de Responsabilidade Fiscal não apenas sobrevive, mas testemunha a tentativa de ser reinterpretada à luz das novas mecânicas fiscais. A criação de novos parâmetros exige sagacidade dos operadores do Direito, pois os conceitos tradicionais de “limite”, “meta” e “teto” ganham conotações políticas e jurídicas distintas quando inseridas num contexto constitucional reformado.
A fragilidade normativa do novo teto preocupa. De um lado, representa o esforço institucional de modernização; de outro, pode banalizar o sentido da disciplina fiscal duramente construída ao longo das últimas duas décadas.
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Por Memória Forense.