Inteligência Artificial e o Novo Capítulo da Arbitragem Esportiva
O emprego de tecnologias de inteligência artificial (IA) em procedimentos arbitrais esportivos tem suscitado um novo debate no cenário jurídico nacional. Com o aumento da adoção de sistemas automatizados para análise de lances, decisões de arbitragem e disputas administrativas no âmbito esportivo, especialmente no futebol profissional brasileiro, torna-se relevante a análise quanto à legalidade, validade e aplicabilidade dessas decisões à luz do Direito Desportivo e Processual.
O Caso do VAR e a Autonomia da Arbitragem
Na recente matéria publicada pela ConJur, foram destacados casos judiciais que questionam decisões tomadas com auxílio do árbitro de vídeo (VAR), alegando nulidades decorrentes de possíveis falhas técnicas, omissões ou supostos vieses automatizados. A judicialização de resultados de partidas que contaram com interferência direta do VAR coloca o artigo 217 da Constituição Federal sob novos holofotes, ao passo que este consagra a autonomia das entidades desportivas e a não intervenção do Poder Judiciário, salvo em casos de desrespeito ao devido processo legal.
Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa
Ao passo que sistemas de IA não oferecem espaço para contestação em tempo real, há que se indagar se o seu emprego respeita os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88). A questão se avoluma ao considerar eventuais revisões de lances sem a ciência das partes envolvidas, gerando decisões que afetam diretamente o resultado competitivo de um campeonato.
Regramento da Justiça Desportiva e o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)
O CBJD (Resolução CNE nº 29/2009) prevê, em seu artigo 2º, que nenhum ato poderá ser realizado sem observância do devido processo legal. Em tese, o uso de IAs na arbitragem carece de previsão específica, embora o avanço tecnológico pressuponha adaptações normativas. Jurisprudência do STJ indica tolerância institucional com inovações tecnológicas, desde que não atentem contra os direitos fundamentais das partes (REsp 1.251.993/RJ).
IA como Suporte ou Substituto Decisório?
Importante frisar a diferença entre inteligência artificial como ferramenta auxiliar – provendo dados e estatísticas – e seu uso como agente decisório autônomo. A intervenção humana continua sendo essencial para garantir a adequada interpretação de contextos complexos e resguardar a segurança jurídica. O modelo híbrido, portanto, parece mais compatível com os ordenamentos jurídicos vigentes.
Responsabilidade Civil e Eventuais Litígios
Quanto à responsabilidade civil por erros advindos da tecnologia, poderiam os clubes litigar contra as confederações, federações ou os fornecedores do sistema? A resposta remete ao artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a responsabilidade objetiva em casos de risco da atividade. Assim, prejuízos resultantes de decisões injustas baseadas em IA poderiam ser objeto de reparação, dependendo da prova de impacto direto no resultado esportivo e na competição em si.
Ato Normativo e Urgência Regulamentar
A aplicação crescente de tecnologias nos esportes exige urgente intervenção regulatória. A ausência de uma normativa clara tende a fomentar controvérsias e ampliar o número de litígios esportivos. Tribunais arbitrais especializados, como o CAS (Court of Arbitration for Sport), já estabelecem práticas de transparência na submissão de provas tecnológicas, o que deve ser gradativamente integrado à Justiça Desportiva brasileira.
Desse modo, caminha-se para uma nova fronteira regulatória: a tecnologia deve se integrar ao sistema jurídico como elemento funcional, e não como obstáculo aos direitos fundamentais.
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Assinado: Memória Forense
