STJ firma tese: convocar vítima várias vezes fere garantias do devido processo legal
Em recente decisão emblemática, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu entendimento relevante sobre o limite processual da atuação do Ministério Público na persecução penal. O colegiado fixou que a vítima de crime que não comparece à primeira intimação não deve ser reiteradamente chamada para manifestar sua representação — atitude que, segundo o tribunal, ultrapassa o limite do poder-dever de agir do Estado.
Precedente de alta relevância processual penal
A decisão foi proferida no julgamento do HC 871.448, relatado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz. No caso concreto, o Ministério Público insistiu diversos meses na tentativa de ouvir a vítima de ameaça, enviando três intimações de comparecimento. Diante da ausência de manifestação, a defesa do investigado impetrou habeas corpus, sustentando nulidade da ação penal por ausência de representação válida.
O STJ concedeu a ordem, reforçando que a representação da vítima, exigida como condição de procedibilidade para crimes de ação penal pública condicionada, deve observar a voluntariedade e espontaneidade da vítima. A repetição excessiva de intimações compromete não só a celeridade processual, mas também a segurança jurídica do réu, violando o princípio do devido processo legal.
Fundamentação jurídica: limites ao ius puniendi estatal
A decisão estabelece firmemente os contornos do artigo 88 da Lei 9.099/95, segundo o qual a ausência de representação no prazo de seis meses contados da ciência da autoria enseja decadência do direito de representação. Deste modo, a insistência desproporcional do MP fere expressamente princípios constitucionais processuais, como:
- O devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV)
- O contraditório e a ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV)
- A razoável duração do processo (CF/88, art. 5º, LXXVIII)
O relator enfatizou em seu voto que a perseverança processual do Estado acusador deve estar limitada aos atos iniciais de comunicação. A desídia ou ausência da vítima em manifestar interesse na persecução penal deve ser interpretada como desistência tácita, cessando, assim, a potência jurídica da ação penal condicionada.
Jurisprudência consolidada e efeitos práticos
Diante desse novo paradigma, advogados criminalistas e defensores públicos devem estar atentos à nulidade das ações instauradas apenas após convocações sucessivas da vítima. O entendimento do STJ já começa a irradiar efeitos em instâncias inferiores, podendo inclusive fundamentar revisões criminais e arquivamentos de procedimentos investigatórios equivocados.
Para o operador do Direito, esta é uma oportunidade de aplicar com rigor as garantias constitucionais em favor do acusado, especialmente nos casos em que a acusação se ancora exclusivamente em atitudes reiterativas do titular da ação penal.
Impacto no sistema penal e atuação estratégica das defesas
A fixação desse precedente pode alterar significativamente a forma de atuação dos órgãos de persecução penal frente a crimes que exigem representação. Redefine-se também o protagonismo da vítima numa perspectiva de discricionariedade do desejo de responsabilização, sem que haja qualquer forma de coação ou induzimento estatal.
O STJ reforça, assim, um compromisso com princípios estruturantes do sistema acusatório, limitando abusos e garantindo equilíbrio entre o jus puniendi estatal e os direitos fundamentais do indivíduo submetido à investigação.
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Assinado,
Memória Forense