A ciência sob cerco legislativo: riscos constitucionais e jurídicos
Na conjuntura atual, marcada por discursos anticientíficos e transnacionalização de ideologias negacionistas, ressurgem no Brasil tentativas de cerceamento da liberdade acadêmica. A proposta veiculada no Senado Federal, sob a justificativa de defesa dos bons costumes e integridade moral, objetiva estreitar o escopo dos temas abordáveis no âmbito das universidades, especialmente nas áreas das ciências humanas e sociais. Tal movimento sinaliza preocupante tensionamento entre liberdades fundamentais e interesses ideológicos, exigindo análise jurídica detida.
Liberdade Acadêmica e o Preceito Constitucional
A Constituição Federal de 1988 é categórica: o artigo 206, inciso II, garante a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. A autonomia didático-científica das instituições de ensino é reforçada pelo artigo 207. Essas disposições fundamentam a liberdade acadêmica como elemento essencial da ordem democrática e do desenvolvimento científico, sendo incompatíveis com quaisquer formas de censura ou controle político sobre o conteúdo das pesquisas ou do ensino.
Assim, iniciativas legislativas que pretendam limitar, suprimir ou condicionar os enfoques abordados em sala de aula devem ser enfrentadas sob a luz de inconstitucionalidade material, por violarem garantias fundamentais.
Jurisprudência e a Suprema Corte
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou de forma contundente sobre este tema. No julgamento da ADPF 548 (rel. min. Cármen Lúcia), foi reafirmado que “a universidade é o espaço por excelência do pensamento plural, da crítica institucional e da livre produção do saber”. Na ocasião, a Corte vedou interferências externas no ambiente universitário, enfatizando que o Estado não pode tutelar o pensamento acadêmico.
Repercussões Jurídicas Ampliadas
O eventual êxito de propostas que imponham limites temáticos à pesquisa abriria precedentes graves para cerceamentos em outros campos da ciência. Além disso, tais medidas afrontariam compromissos internacionais firmados pelo Brasil, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 19) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador).
Os Perigos do Anticientificismo Normativo
A substituição de critérios técnicos por fundamentos dogmáticos nos processos legislativos impacta diretamente a racionalidade do Estado Democrático de Direito. Conforme doutrina majoritária, o Direito deve dialogar com os saberes científicos, especialmente para formulação de políticas públicas sustentáveis sob crivos empíricos. Nesse sentido, abre-se espaço para responsabilização institucional, caso políticas científicas sejam arbitrariamente limitadas.
- Importante debate entre liberdade científica e moralismo legislativo
- Impactos sobre pesquisas de gênero, raça, cultura e sexualidade
- Necessidade de atuação das entidades de classe jurídicas em defesa institucional
Conclusão: O Estado Democrático em xeque
A escalada de discursos legislativos visando silenciar, estigmatizar ou regulamentar o conhecimento científico fere a espinha dorsal de uma sociedade democrática. A comunidade jurídica, sobretudo a advocacia constitucionalista, precisa estar atenta e ativa, promovendo ações judiciais e advocacias estratégicas para que saber e ciência permaneçam livres. Como nos ensina a história, onde se constrói muros contra o pensamento, logo se faz ruir a cidadania.
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Assinado: Memória Forense