Depoimento Especial sem Contraditório Reacende Debate sobre Legalidade Processual Penal
No cenário jurídico contemporâneo, uma prática que já se encontra consolidada nas Varas da Infância e Juventude voltou a suscitar questionamentos constitucionais e garantistas: o depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, quando realizado sem o devido contraditório e sem a presença da defesa técnica. A recente onda de críticas a essa prática reacendeu discussões sobre sua constitucionalidade e compatibilidade com os princípios fundamentais do processo penal.
Afinal, o que é o Depoimento Especial?
O depoimento especial é regulamentado pela Lei nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. A intenção do legislador foi a de proteger o público infantojuvenil da revitimização, evitando a exposição repetida a situações traumáticas.
No entanto, embora a normativa vise preservar os direitos das crianças e adolescentes, ela tem gerado controvérsias ao ser aplicada de forma rígida e desassociada dos direitos constitucionais dos réus, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa, garantidos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
O Conflito Constitucional
Em sua essência, o processo penal visa, entre outros princípios basilares, assegurar a paridade de armas entre acusação e defesa. A ausência de participação da defesa no momento do depoimento especial pode configurar uma afronta direta ao devido processo legal. Juristas renomados têm levantado a possibilidade de que tal prática configure um “ato autoritário disfarçado de proteção”, quando aplicada sem a observância das garantias processuais penais.
De acordo com o artigo 212 do Código de Processo Penal, os depoimentos devem ser realizados sob a égide do contraditório, permitindo que a defesa possa participar do ato, ainda que de maneira subsidiária. A discussão ganha força com as recentes decisões judiciais que passaram a relativizar — ou até ignorar — essa previsão legal, respaldando-se na “proteção” à criança e ao adolescente como justificativa.
Jurisprudência e Controvérsias
O Supremo Tribunal Federal já decidiu, reiteradamente, pela primazia dos direitos fundamentais do acusado, inclusive em situações sensíveis. Em julgamento do HC 127.900/SP, por exemplo, a Suprema Corte reafirmou a necessidade de observância do contraditório mesmo em situações excepcionais. Jurisprudências recentes dos Tribunais de Justiça estaduais, contudo, vêm tensionando essa lógica em nome da proteção infantojuvenil.
Há também conflitos de entendimento sobre a validade da prova colhida sem a ciência da defesa. A omissão ou postergação do direito de manifestação da defesa acaba corrompendo a legalidade do processo, acentuando a possibilidade de nulidades e recursos judiciais subsequentes.
Confira os principais impactos jurídicos dessa prática:
- Violação do princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV);
- Possível nulidade processual, conforme o art. 564 do CPP;
- Precedentes contraditórios entre cortes superiores e tribunais estaduais;
- Desrespeito ao princípio da verdade real, sem o devido contraditório.
Propostas e Caminhos Possíveis
O desafio maior é harmonizar a proteção integral — prevista no artigo 227 da Constituição — com os direitos fundamentais do acusado. A doutrina propõe caminhos como:
- Garantir a presença da defesa técnica nos depoimentos especiais, mesmo que de forma indireta;
- Gravar com integridade os atos para posterior manifestação judicial ampla pelas partes;
- Adoção de modelos estrangeiros como o “testemunho assistido” sob supervisão do magistrado.
É necessário que o Judiciário e o Ministério Público compreendam a urgência em se adaptar às complexidades do processo penal moderno. A defesa técnica deve ser vista sob o prisma da justiça e não como um obstáculo à proteção social.
Memória Forense
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