Desconfiança Estatal: O Princípio que Inverte a Presunção da Legalidade
O ordenamento jurídico brasileiro, a despeito de guardar preceitos constitucionais como a segurança jurídica, a legalidade e a boa-fé administrativa, vem assistindo silenciosamente ao fortalecimento de uma nova postura estatal: a desconfiança legítima. Esse princípio, embora não nomeado formalmente pela Constituição Federal, tem guiado decisões administrativas e judiciais, especialmente no campo fiscal e regulatório.
O paradoxo entre segurança jurídica e instabilidade institucional
Ao contrário do princípio da confiança legítima, consagrado em sistemas jurídicos europeus e recepcionado por nosso ordenamento nos termos da jurisprudência do STF (ADI 2.154/DF), o que temos em prática é sua antítese. O Estado, por vezes, ignora posições firmadas anteriormente e revoga benefícios, cria novos entendimentos e altera drasticamente normas sem o devido período de transição, ferindo o direito adquirido e o ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, incisos XXXVI e XXXIX).
Casos emblemáticos da postura desconfiada do Estado
- Revisões abruptas de incentivos fiscais por estados e municípios, dificultando previsibilidade a investidores.
- Anulação de registros públicos ou concursos sem elementos novos ou provas de ilegalidade.
- Revisões de aposentadorias com base em reinterpretações normativas e não em nova probabilidade jurídica.
Essas práticas resultam na precarização de direitos já incorporados à esfera do cidadão e contribuem para a erosão da credibilidade da Administração Pública.
Base legal frágil e jurisprudência vacilante
Juridicamente, os tribunais brasileiros têm oscilado entre consolidar a proteção da confiança legítima e validar revisões administrativas baseadas em suposta autotutela, prevista no art. 53 da Lei 9.784/99. Todavia, mesmo esse dispositivo exige que o ato seja ilegal e que a revisão observe prazos razoáveis, o que nem sempre vem ocorrendo.
Já o STJ, em julgados importantes como o REsp 1.114.938/RJ, afirma que a Administração Pública não pode atuar de modo contraditório com seus próprios atos sem acarretar nulidade dos mesmos por ofensa ao princípio da confiança.
Reflexões para a advocacia
- O dever de diligência na análise de normativas que se modificam com frequência.
- A importância da tese da confiança legítima em ações contra atos revogatórios retroativos.
- O uso estratégico de jurisprudência constitucional para reforçar a estabilidade dos direitos adquiridos.
Assim, o advogado deve estar atento ao crescente avanço da insegurança jurídica disfarçada de “racionalização da despesa pública” ou “autocorreção administrativa”. O papel da advocacia é essencial para pressionar o Judiciário na preservação das balizas constitucionais e combater o improviso institucional.
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Assinado: Memória Forense