20 anos da queda da anistia: julgamento histórico ainda ecoa na Argentina
No ano de 2005, a Corte Suprema da Argentina protagonizou um dos julgamentos mais emblemáticos de sua história constitucional ao declarar a inconstitucionalidade das Leis de Obediência Devida e Ponto Final. Estas normativas, instituídas nos anos 1980, visavam encerrar os processos judiciais contra militares acusados por crimes cometidos durante a última ditadura argentina (1976-1983). O processo marca, até os dias atuais, um divisor de águas jurídico e ético na América Latina, sendo fundamental à consolidação da responsabilização por crimes contra a humanidade.
Uma Corte contra o esquecimento
O caso “Simón, Julio Héctor y outros s/ privação ilegítima da liberdade, etc.” pôs em xeque o equilíbrio entre estabilidade institucional e justiça de transição. A Corte, sob forte pressão política e midiática, interpretou que os crimes praticados durante o regime militar configuravam delitos imprescritíveis, conforme previsto no artigo 118 da Constituição Argentina, e nos tratados internacionais com hierarquia constitucional, como a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade.
O voto majoritário citou, inclusive, jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como no “Caso Barrios Altos vs. Peru”, consolidando o entendimento de que leis de anistia auto-concedidas são incompatíveis com obrigações internacionais dos Estados em matéria de direitos humanos.
Do silêncio à responsabilização penal
A decisão da Suprema Corte representou o fim da impunidade jurídica vigente por quase duas décadas. Revogadas as leis que impediam o andamento dos processos, diversas ações penais contra agentes do Estado voltaram a tramitar. O julgamento trouxe eco não apenas no plano doméstico: influenciou reformas jurídicas em diversos países da América Latina que convivem com passados autoritários e legislações similares.
- Reconhecimento da hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos;
- Adoção do conceito de crimes de lesa-humanidade como imprescritíveis e insuscetíveis de anistia ou indulto;
- Rompimento com a doutrina do “mal menor” em nome da paz social;
- Consolidação de princípios de justiça de transição no continente.
Repercussões jurídicas e reflexões que perduram
É essencial compreender o precedente como uma expressão de justiça restaurativa, onde a memória e a verdade são reconhecidamente pilares do Estado Democrático de Direito. A decisão argentina ainda é objeto de debates acadêmicos e forenses, sendo referência em julgamentos sobre anistia e responsabilidade penal por violações sistemáticas dos direitos humanos.
Para os operadores do Direito, o julgamento Simón constitui um exemplo de ativismo judicial fundamentado, pautado na hermenêutica constitucional e na prevalência dos direitos humanos como norma de referência ao poder judiciário.
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Publicado por Memória Forense