Tombamento voluntário: entre a proteção cultural e os limites da propriedade privada
À luz do recente artigo publicado na revista Consultor Jurídico, a figura jurídica do tombamento voluntário de bens culturais ressurge no cenário normativo e social como um instrumento efetivo de preservação do patrimônio, mas também como desafio à seara dos direitos reais e aos parâmetros do ordenamento jurídico pátrio. O tema suscita complexas reflexões sobre a colisão entre o interesse público e o direito de propriedade, bem como o papel da coletividade na conservação da memória coletiva.
O que é tombamento voluntário?
O tombamento voluntário é um mecanismo previsto pelo Decreto-Lei nº 25/1937, especificamente em seu artigo 5º, que permite a inscrição de bens particulares no Livro do Tombo mediante iniciativa do próprio titular do bem. Diferentemente do tombamento compulsório, este tipo decorre da vontade do proprietário, o que se alinha com um modelo de gestão compartilhada do patrimônio cultural.
Importante destacar que o tombamento, ainda que voluntário, confere ao bem o mesmo regime jurídico das demais formas de tombamento, conforme previsão do artigo 17 do referido decreto. Isso significa que a intervenção do Estado sobre o bem privado se mantém, especialmente no que tange à sua preservação, fiscalização e limitações ao uso.
Aspectos legais e impactos para os proprietários
A adesão voluntária ao regime de tombamento traz consigo obrigações de natureza administrativa e limitações ao jus utendi e jus abutendi — faculdades integrantes do direito de propriedade previstas no artigo 1.228 do Código Civil. O proprietário, ao optar pelo tombamento de seu bem, submete-se aos direitos e deveres específicos estabelecidos pelo IPHAN e pelos órgãos de preservação estaduais e municipais correspondentes.
Conforme jurisprudência pacífica do STJ (REsp 1.147.587/MG), o tombamento não configura desapropriação indireta ou esvaziamento do valor econômico da propriedade, mas sim um exercício legítimo do poder de polícia estatal voltado à tutela de valores imateriais e extrapatrimoniais.
Desafios práticos do tombamento voluntário
Apesar do caráter nobre da iniciativa, o instrumento ainda carece de incentivo estatal — seja por meio de benefícios fiscais, seja por políticas públicas de valorização do papel social do proprietário preservacionista. Em muitos casos, os titulares relatam ausência de apoio técnico e financeiro após o tombamento, sobrecarregando-os com ônus desproporcionais.
O Ministério Público, especialmente por meio de seus núcleos de patrimônio cultural, tem atuado em demandas que envolvem bens voluntariamente tombados, exigindo tanto o cumprimento das obrigações quanto a proteção integral do bem, reforçando o interesse difuso tutelado pelo artigo 225 da Constituição Federal.
Recomendações aos advogados atuantes na área
- Oriente seu cliente sobre a natureza jurídica do tombamento e as obrigações decorrentes;
- Realize due diligence documental e arquitetônica antes de sugerir o tombamento;
- Solicite a expedição de certificado e proceda à averbação junto ao Registro de Imóveis;
- Monitore periodicamente os editais de fomento ao patrimônio cultural nos entes federativos;
- Em caso de controvérsias, considere a via judicial com base no princípio da função social da propriedade (CF, art. 5º, XXIII).
Conclusão
O tombamento voluntário representa uma adesão consciente e cívica à preservação do patrimônio cultural brasileiro. No entanto, deve ser compreendido não apenas como gesto simbólico, mas como compromisso jurídico de repercussões patrimoniais e administrativas. Cabe ao profissional jurídico dominar os aspectos legais, operacionais e interpretativos desse instrumento, garantindo segurança e efetividade na assessoramento de seus clientes.
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Por Memória Forense